quinta-feira, 10 de novembro de 2011

SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO NA URBANIZAÇÃO DA CIDADE. PARCELAMENTO DO SOLO COMO FUNÇÃO PÚBLICA

SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO NA URBANIZAÇÃO DA CIDADE. PARCELAMENTO DO SOLO COMO FUNÇÃO PÚBLICA






O parcelamento do solo urbano traz algumas problemáticas quanto à urbanização de uma cidade, com vistas aos conflitos havidos entre os direitos privados decorrentes da propriedade e os direitos e interesses públicos do Município.

Dentre elas aparece a dúvida quanto à obrigatoriedade de os órgãos públicos aprovarem projetos de loteamentos, tal como apresentado pelo empreendedor, fornecendo diretrizes para sua implantação de parcelamento do solo, sem possibilidade de alterar o desenho urbanístico e até negar sua aprovação, por ausência de interesse público na urbanização.

O ordenamento territorial urbano possui o seu fundamento de validade no princípio da função social ambiental da cidade e o direito urbanístico possui o seu fundamento de validade no princípio da função social ambiental da propriedade.

O ordenamento territorial decorre de planejamento urbano, que deve fulcrar-se na política de desenvolvimento urbano, para ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

De outro lado, a política de desenvolvimento urbano não poderá divorciar-se da política ambiental, sob pena de a primeira não garantir o objetivo maior de propiciar qualidade de vida aos atuais e futuros moradores das cidades.

É o chamado desenvolvimento sustentável das cidades.

Vale transcrever trecho de reportagem do Jornal do Brasil onde Fernandes (2005 apud SANT’ANNA, 2007, p. 88) - destaca que o desafio é compatibilizar o conflito entre os defensores da “agenda verde” do meio ambiente e os da “agenda marrom” das cidades, “o que somente pode ser feito pela construção não de cenários ideais, certamente não de cenários inadmissíveis, mas de cenários possíveis. Onde valores constitucionais forem incompatíveis e um tiver que prevalecer, medidas concretas têm de ser tomadas para mitigar ou compensar o valor afetado.”

Nesses passos, no que tange ao parcelamento do solo urbano, corrente tradicionalista que acolhe o alvará de loteamento na esfera dos atos administrativos vinculados, com natureza de licença administrativa, mostra-se enfraquecida.

Atualmente, os doutrinadores e tribunais reconhecem o parcelamento do solo como função pública, recusando o direito de lotear como direito subjetivo do proprietário do solo.

Desde logo, registre-se que não pode prevalecer o entendimento que almeja sobrepor regras similares ao direito de construir ao ato de lotear, com idêntica interpretação. O direito de construir está afeto intrinsecamente ao direito de propriedade, e os limites ao exercício desse direito devem estar descritos na lei, com interpretação estrita.

O exercício do direito de propriedade relativo a um lote individualizado já destinado a fim específico de moradia e a extensa gleba onde o proprietário pretende implantar loteamento (com todas as seqüelas decorrentes do ato) não são equiparáveis, evidenciando-se, ao contrário, profundas diferenças de conteúdo e regimes jurídicos próprios.

Por isso, as normas que dispõem sobre o parcelamento do solo urbano, em especial as que disciplinam o loteamento, não podem ser tidas como análogas às do direito de construir.

Do loteamento do solo urbano, decorrem obrigações e transferência dos espaços livres e áreas públicas ao município, que são afetados aos fins estabelecidos no momento de aprovação de projeto e se tornarão bens públicos inalienáveis.

Portanto, o loteamento, conforme definição clássica, pode até iniciar-se por força da vontade do proprietário, mas redundará em transferência compulsória de partes do imóvel loteado ao município.

Dessa perspectiva, vislumbra-se que o loteamento resulta da convergência de vontades: do loteador, que formula a proposta de loteamento mediante apresentação de projeto, somada a da administração pública municipal, ao aceitar a proposta no momento em que expede certidão de viabilidade do empreendimento (ou ato correlato), formatando as exigências necessárias para posterior aprovação do projeto apresentado.

A aprovação de um loteamento, com a transferência de áreas ao município e maior adensamento populacional na região, também acarreta ônus e obrigações à Administração Municipal, a exigir implantação equipamentos públicos e fornecimento de mais serviços públicos aos novos moradores.

Mesmo que a implantação da infra-estrutura, nos moldes legais, seja de responsabilidade do loteador, a manutenção e a conservação serão responsabilidades do município, bem como a adequação de diversos serviços prestados pelo ente municipal, como transporte, educação, saúde, etc.

Enfim, da implantação de um loteamento decorre nova realidade urbanística, com adensamento populacional a demandar implantação de equipamentos urbanos e adequação de toda a sorte de infra-estrutura.

Portanto, é nítido que o ato de lotear transcende os direitos subjetivos dos proprietários e exige o reconhecimento de direito comunitário ao desfrute do novo bairro.

O loteamento é atividade que se insere em contexto nitidamente de função pública, atividade apenas delegada ao particular.

“Ao admitir um loteamento, a Prefeitura está delegando, de forma típica, uma urbanificação ao particular, por que a modificação ou a criação de áreas urbanas é uma função pública atribuída ao Município”.

A transformação da gleba em loteamento “não integra as faculdades dominiais porque não constitui função privada” . Nesse diapasão, o parcelamento do solo não pode ser compreendido como direito subjetivo do proprietário da gleba, correspondendo a dever jurídico estatal, função pública administrativa.

Reconhecendo a função pública do loteamento e a obrigatoriedade de promoção do desenvolvimento sustentável da cidade, vozes doutrinárias afastam a aprovação dos empreendidos como submissos aos atos administrativos vinculados.

Pelas razões assinaladas, adota-se nova concepção do loteamento, definindo o loteamento promovido pelo particular como ato de convergência de vontades entre particular e Poder Público, bem como função pública delegada ao particular.

O consentimento do Poder Público no parcelamento do solo “confere ao particular a faculdade de exercer, em nome próprio, no interesse próprio e à própria custa e riscos, uma atividade que pertence ao Poder Público municipal” , qual seja: função típica pública consistente no oferecimento do direito a moradia e vida digna à população urbana.

O ato de lotear é função pública na medida em que é exercido em nome do interesse público. Tratando-se de função pública, com promoção em caráter meramente subsidiário pelo particular, não há direito subjetivo a agenciar o parcelamento do solo.

Neste mesmo sentido, José Afonso da Silva sustenta a possibilidade de recusa administrativa na autorização do empreendimento, “ainda seja apenas para evitar excessivo número de lotes, com o conseqüente aumento de investimento subutilizado em obras de infra-estrutura e custeio de serviços e crescimento desordenado dos encargos públicos”.

Se é possível negar aprovação para um loteamento, mais possível é condicionar sua aprovação a alterações do projeto urbanístico apresentado, para que o desenho atenda às diretrizes urbanísticas e evite futura burla às normas gerais que regem a ocupação e uso do solo urbano.

Além de a atividade urbanística ser uma função pública, um parcelamento do solo se consubstancia por meio de ato administrativo denominado “autorização”, tal como explica o mesmo autor acima citado: “... não cabe dúvida de que seu exercício por particular significa exercício de função pública por particular, por uma forma de outorga do Poder Público competente, que não se caracterizará como licença , já que esta se concebe como um ato que simplesmente possibilita o exercício de direito subjetivo do licenciado. Quer dizer, no caso da licença, do titular de um direito cujo exercício é condicionado ao preenchimento de certos requisitos legais e regulamentares, preenchidos estes, o respectivo alvará deverá ser expedido. A situação é bem diversa tratando-se da pretensão de exercício de uma função pública ou da prestação de um serviço público ou de utilidade pública por particular, pois não lhe cabe direito subjetivo a esse exercício ou prestação.”

Conclusões:

1. a atividade urbanística é função pública;

2. o particular/parcelador age de forma delegada;

3. parcelamento do solo, portanto, não se consubstancia em direito subjetivo do proprietário e nem se confunde com o direito de construir;

4. não se pode parcelar o solo urbano, sem autorização da Prefeitura Municipal;

5. o ato administrativo é de AUTORIZAÇÃO e não de licença, o que implica na possibilidade de não ser autorizado, ainda que atenda aos requisitos da lei;

6. ainda que um imóvel (gleba) esteja situado em zona urbana e/ou de expansão urbana, seu parcelamento poderá ser negado pela Administração Municipal, desde que o ato seja motivado e fundamentado em razões que importem na supremacia do interesse público do município, especialmente no que tange aos vetores de crescimento da cidade, atendimento as funções sociais da cidade, adensamento não recomendado para a região, preservação ambiental, implicação de despesas a serem suportadas por recursos públicos (ainda que no futuro) etc.

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